




























EXPOSICOES
o que ja passou por aqui
Vizinhança
Link para entrar em um grupo do whatsapp
Em torno de quais enunciados construímos comunidades? “Agrupar” pressupõe o compartilhamento de algum tipo de similaridade, intuito ou objetivo entre os participantes do grupo. Em torno de grandes identificações se erigiram fortes coletivos, como por exemplo as nações formadas ao redor de uma bandeira nacional. Há, porém, formas menores e desprovidas de finalidades hegemônicas para construir laços. A vizinhança coloca em cena uma curiosa modalidade de agrupamento: mediados por paredes e janelas, sujeitos heterogêneos existem em ampla proximidade física e cumpliciam, mesmo sem querer, a vida um do outro.
Por vezes nem conhecemos o rosto dos nossos vizinhos, que tendem a ser transformados em personagens através das fofocas que circulam no elevador. Nada sabemos sobre suas infâncias, mas escutamos seus gemidos, sentimos o odor de seus lixos e nos informamos sobre o teor de suas brigas, cumprimentando-os com um “oi” discreto pela manhã após todo o bafafá gritado nas varandas. Recolhendo informações parciais sobre nós, nossos vizinhos nos ficcionam para os colegas de trabalho, recriam a nossa personalidade e avançam toda uma hipótese performática sobre a nossa vida no mundo. Este tipo de agrupamento, ao contrário dos coletivos dominados por um grande elemento compartilhado, se mostram como férteis espaços de fabulação interpessoal, construindo um ecossistema insuspeito entre nós.
Similar operação de fakeamento de si e do outro esteve fortemente presente no início da popularização da internet. Quem frequentou os primórdios dos espaços de interação virtual em lan houses, como o Flogão ou o 4chan, pôde testemunhar como ali se propulsionaram diferentes modalidades de ficcionalização de si e da própria vida. Naquele momento, fakes de cantoras pop, ex-BBBs e outras subcelebridades passavam horas criando vínculos imaginários em espaços como o shopping center do MySpace sem ter qualquer pista de quem eram seus interlocutores offline.
Ultrapassando os limites do perfil, os primeiros modos de uso das redes nos possibilitaram reformular as próprias maneiras de construir vizinhança, levando à formação de grupos que se reuniam por afinidades triviais e episódicas. A comunidade “eu leio o shampoo no banho”, por exemplo, acumulava, em 2010, mais de cem mil participantes no Orkut. Hoje, vários grupos de WhatsApp são ativados cotidianamente em torno do compartilhamento de novas figurinhas de bom dia. O que poderia soar como alienação pode, assim, se apresentar como uma forma alternativa de praticar vizinhança. Nesse mesmo terreno, emergem ainda tecnologias suspeitas e terapêuticas que se oferecem como auxílio à vida alheia: criadores de vídeos que sonorizam frequências de cura no YouTube, canais de ASMR que, segundo alguns comentários, apaziguam ansiedades, ou mesmo grupos online para a reza coletiva de terços.
A celebração destes possíveis vínculos improváveis em torno de imagens triviais que se tornam emblemas forma um hipertexto que nos conecta em torno de informações que não se organizam de forma linear ou evidente. A exposição vizinhança opera justamente neste domínio, e funciona como um hiperlink entre sete artistas. Através deles, acessamos obras que participam de distintos aspectos das construções contemporâneas de pertencimento. Em alguns casos, são vídeos, imagens, stickers, e aparelhos ao redor dos quais nos reunimos para assistir e compartilhar convivências; em outros, é o próprio gesto de reunião, vínculo e conexão que se materializa em objetos acumulados, repetidos ou interligados, simbolizando comunidades possíveis.
A artista Lia Menna Barreto apresenta três obras feitas com réplicas inorgânicas de animais como ratos, jacarés e sapos albinos. Achatados e unidos por Lia com o uso de um ferro de passar roupas, eles criam em conjunto novos formatos para si, como mandalas. Estes símbolos ligados usualmente ao esoterismo aparecem aqui em tom irônico e revivem certo humor já presente na técnica utilizada pela artista para associá-los. O calor é a fonte de construção de vizinhança neste ecossistema de borracha.
João Livra também apresenta acoplamentos em suas obras, nelas, objetos por vezes repetidos se agrupam, como cigarros e pedras pomes. Em Confiança LTDA II, um isqueiro e um abridor de garrafas performam certo pacto, apresentando, através da materialidade objetual, uma forma de ligação entre coisas heterogêneas, mas participantes de um mesmo repertório semântico. Em CBD II, idênticos cachimbos de vidro se separam em um grid de metal, apresentando-se ora mais recolhidos, ora mais expostos às visitas.
Nas pinturas de Flavushh, cachorros e furries são retratados em bordas fluidas, realizando cenas e performando ações ora íntimas, como em Sexo Furry Gay, ora fortuitas, como em Cachorro corre debaixo da árvore. Na primeira, um tipo de vínculo se realiza entre as duas figuras, mas seus atos permanecem em segredo ao espectador, que não compartilha da visão frontal da cena. Em Cachorro fedorento, quase vemos a foto de perfil ou uma ¾ deste ser curioso que parece proveniente de um http próprio às poéticas da artista.
Outro animal surge na mostra, agora na obra Ratão, de Marina Borges. A imagem, impressa em grande escala, parece evocar a noção de mascote, outro curioso recurso utilizado para estabelecer uma identidade visual, gerar conexão emocional com o público e até trazer sorte. Em suas outras duas obras, temos a visão de um tabuleiro vazio que performa o constante possível início de jogo entre duas pessoas e podemos espiar parte de uma cena privada entre dois corpos recortados por um buraco ou espécie de fechadura da porta vizinha.
Em Allan Pinheiro, somos postos diante de imagens de grande circulação e em torno das quais se promove certa diversão e lazer. Na pintura Furacão 2000 vemos o logo da produtora e gravadora carioca, principal responsável pela divulgação do funk no Rio dos anos 90. Em forma de programa de TV a Furacão também permitia que durante o horário de almoço acompanhassemos os acontecimentos e bastidores de alguns bailes e shows de funk sediados pela empresa. Em escala menor, a obra Faz favor.peg mostra um meme de @juliocesaroficial00, perfil famoso no Tik Tok. Tanto o meme quanto os vídeos aparecem aqui como recursos esporádicos ao redor dos quais se produz mensagem e compartilhamento.
Por fim, no projeto instalativo Bom dia, de Estelle Flores e Érica Storer, temos a maquinação de outro recurso ao redor do qual produzimos pertencimento e comunicação: figurinhas digitais. Já em A working mind, de Flores, somos colocados diante da presença de uma estética similar à Second Life, que popularizou os jogos de simulação da vida e ficcionalização familiar e pessoal no meio digital. Agora na obra Homens trabalhando (último retorno), de Storer, somos colocados diante de enunciados genéricos e constantes em nossas circulações pela cidade, que por mais anônimos ou objetivos que sejam, parecem curiosamente familiares e integrados aos nossos dias.
Lucas Alberto
Neighborhood
Link to join a WhatsApp group
Around which statements do we build communities? To "gather" presupposes the sharing of some kind of similarity, intention, or goal among the group’s participants. Strong collectives have historically formed around large-scale identifications—nations, for example, built around a national flag. But there are smaller, non-hegemonic ways of forming bonds. The neighborhood presents a curious form of grouping: mediated by walls and windows, heterogeneous individuals exist in close physical proximity and, whether they want to or not, become complicit in one another's lives.
Sometimes we don’t even know our neighbors’ faces; they tend to be turned into characters through gossip exchanged in the elevator. We know nothing about their childhoods, yet we hear their moans, smell their garbage, and learn the content of their arguments, greeting them with a quiet “hi” in the morning after all the drama shouted from the balconies. Collecting partial information about us, our neighbors fictionalize us for their coworkers, recreate our personalities, and develop entire performative hypotheses about our lives. This kind of grouping—unlike collectives dominated by a shared central element—becomes a fertile space for interpersonal fabulation, building an unsuspected ecosystem between us.
A similar operation of faking oneself and the other was strongly present at the beginning of the internet’s popularization. Those who frequented the early days of virtual interaction in internet cafés, such as Flogão or 4chan, witnessed how different modes of self-fictionalization and life storytelling flourished there. At that time, fake profiles of pop singers, ex-Big Brother contestants, and other subcelebrities spent hours building imaginary bonds in spaces like MySpace’s virtual mall—without the slightest clue of who their interlocutors were offline.
Pushing Beyond Profile Limits, the early modes of social media use allowed us to reshape the very ways in which we build neighborhood-like bonds, leading to the formation of groups brought together by trivial and episodic affinities. The community “I read shampoo bottles in the shower”, for instance, had over a hundred thousand members on Orkut in 2010. Today, numerous WhatsApp groups are activated daily around the simple act of sharing new “good morning” stickers. What might sound like alienation can, in fact, be seen as an alternative way of practicing neighborhood.
Within this same realm, suspicious and therapeutic technologies also emerge, offering themselves as aids to other people’s lives: video creators on YouTube who broadcast healing frequencies, ASMR channels that, according to some comments, ease anxiety, or even online groups dedicated to collectively praying the rosary.
The celebration of these unlikely bonds formed around trivial images that become emblems creates a kind of hypertext, connecting us through information that isn’t organized in a linear or obvious way. The exhibition Neighborhood operates precisely in this domain, functioning as a hyperlink between seven artists. Through them, we access works that participate in distinct aspects of contemporary constructions of belonging.
In some cases, these are videos, images, stickers, and devices around which we gather to watch and share experiences; in others, it is the very gesture of gathering, of forming bonds and connections, that materializes in accumulated, repeated, or interconnected objects, symbolizing possible communities.
Artist Lia Menna Barreto presents three works made with inorganic replicas of animals such as rats, alligators, and albino frogs. Flattened and fused together by Lia using a clothes iron, they collectively form new shapes—like mandalas. These symbols, usually associated with esotericism, appear here with a layer of irony, reviving a sense of humor already present in the artist’s chosen technique. Heat becomes the generative force of neighborhood in this rubber ecosystem.
João Livra also explores the idea of coupling in his works, where objects—sometimes repeated—are grouped, like cigarettes and pumice stones. In Confiança LTDA II, a lighter and a bottle opener perform a kind of pact, presenting through their objecthood a connection between heterogeneous items that nonetheless share a common semantic repertoire. In CBD II, identical glass pipes are arranged within a metal grid, sometimes more tucked away, sometimes more exposed to visitors.
In Flavushh’s paintings, dogs and furries are portrayed with fluid boundaries, engaged in scenes and performing actions that range from intimate—as in Gay Furry Sex—to incidental, as in Dog Running Under the Tree. In the first, a kind of bond forms between the two figures, but their actions remain hidden from the viewer, who is denied a frontal view of the scene. In Stinky Dog, we almost see the profile picture or a three-quarter view of this curious creature, which seems to come from a personal http world belonging to the artist’s own poetics.
Another animal appears in the exhibition, now in Marina Borges’ work Ratão. The large-scale printed image seems to evoke the notion of a mascot—another curious device often used to establish visual identity, generate emotional connection with an audience, or even bring good luck. In her other two works, we are presented with the view of an empty game board—staging the ever-possible beginning of a game between two people—and a glimpse into a private scene between two bodies, partially visible through a hole or peephole-like cutout, as if peering through the neighbor’s door.
With Allan Pinheiro, we are confronted with widely circulated images around which leisure and entertainment emerge. In the painting Furacão 2000, we see the logo of the iconic Rio de Janeiro-based production company and record label, largely responsible for popularizing funk in the 1990s. In its television format, Furacão 2000 allowed viewers to watch behind-the-scenes moments from funk parties and shows during their lunch breaks. On a smaller scale, the work Faz favor.peg shows a meme from @juliocesaroficial00, a well-known TikTok profile. Both the meme and the videos function here as ephemeral resources around which messages are generated and shared.
Finally, in the installation project Bom dia, by Estelle Flores and Érica Storer, we encounter another mechanism around which belonging and communication are produced: digital stickers. In A working mind, Flores introduces us to an aesthetic reminiscent of Second Life, a platform that popularized life simulation and personal/family fiction in the digital realm. And in Men at Work (last return), by Storer, we face generic statements commonly seen in our urban circulations—signs that, no matter how anonymous or objective they may seem, feel curiously familiar and deeply woven into our everyday lives.
Lucas Alberto
.png)